sábado, 29 de março de 2008

Como serão as bibliotecas de investigação em 2020?


Fui convidado a participar no segundo Workshop Global Research Library 2020, que se realizou estes dias em Tirrenia, Pisa (na bela região italiana da Toscânia).

A pergunta que dá o título a este post “Como serão as bibliotecas de investigação em 2020?”, ou outra ainda mais desafiadora como “Ainda existirão bibliotecas de investigação em 2020?", ajudam a sintetizar, mesmo que de forma simplista e redutora, a reflexão, a análise e o debate vivo, que decorreu nesta reunião.

Promovido pelo CNR-ISTI (Consiglio Nazionale delle Ricerche - Istituto di scienza e tecnologie dell'informazione) e pela Microsoft, o GRL 2020 reuniu cerca de 45 especialistas em bibliotecas digitais (ou áreas conexas) de todo o mundo e permitiu dois dias de apresentações e discussões sobre o as infra-estruturas de informação que serão necessárias no próximo futuro para sustentar o desenvolvimento da ciência.

Antes do Workshop todos os participantes foram convidados a escrever um position paper com a sua visão sobre as research libraries, e quase todos o fizeram. O conjunto dos positions papers serviu de base para o estabelecimento da agenda e apontou como algumas das preocupações centrais a necessidade de desenvolver as bibliotecas digitais mantendo o foco nos utilizadores, a interoperabilidade a preservação e o Open Access.

O acesso livre à literatura científica foi aliás um dos pontos que eu também abordei no meu position paper, que confesso foi escrito um pouco a correr. Aliás a questão da acessibilidade à informação científica é absolutamente decisiva. As restrições de acesso, impostas pelo actual modelo são um entrave ao pleno desenvolvimento da actividade científica e ao aproveitamento de todo o potencial latente na informação científica produzida em todo o mundo, através da inteligência humana e das extraordinárias ferramentas computacionais que já hoje dispomos para a manipulação e exploração de dados e informação.

Voltei a enfatizar uma questão que já tenho referido: para além do seu papel “tradicional” de intermediação e facilitação do acesso e uso de fontes de informação externas, as bibliotecas devem focar-se cada vez mais em acrescentar valor à informação produzida pelos membros das comunidades que servem. Na minha opinião, as bibliotecas científicas e universitárias não terão um grande futuro se mantiverem como seu foco exclusivo (ou mesmo principal), a intermediação entre fontes de informação e os seus utilizadores (porque estes cada vez mais vão aceder directamente a essas fontes). Este é um ponto sobre o qual certamente voltarei a escrever em breve.

A questão do futuro da informação científica, das instituições e organizações que intervém na sua gestão (desde as instituições de investigação que a produzem, até às bibliotecas e repositórios) foi outro dos temas centrais.

É já hoje indiscutível que o futuro da informação de ciência (no sentido latino, englobando também as ciências humanas e sociais, e não no sentido restrito anglo-saxónico) e tecnologia, será cada vez menos centrado nas publicações científicas (ainda que elas continuem a desempenhar um papel fundamental) e incluirá crescentemente informação de diversos tipos e em diversos estádios do processo de investigação e construção do conhecimento: dados experimentais “em bruto”, dados já processados (por exemplo, com ferramentas de análise estatística) mas ainda não completamente analisados, relatórios e outros produtos de análise de dados pré-publicação, etc.

Mas quanto às implicações deste alargamento do “espectro” do sistema de comunicação científica no que diz respeito aos seus intervenientes e instituições, o consenso está longe de existir. Simplificando, existem duas posições extremas, mas a maioria dos participantes (entre os quais me incluo) parece situar-se em diversos pontos entre os dois extremos. De um lado, estão aqueles (bibliotecários) que defendem que, tal como acontece no actual panorama dominado pelas publicações, no futuro o essencial da gestão da informação científica continuará a passar por especialistas em gestão da informação (bibliotecários ou outros profissionais) e não pelos especialistas das áreas científicas que produzam essa informação.

Do outro, estão alguns (investigadores e pessoas ligadas aos centros de dados e computação) que defendem que o futuro do sistema de informação científica, dominado por formas de informação pré-publicação, exigirá a intervenção decisiva e a gestão por parte de especialistas das áreas científicas e não por “especialistas de informação”.

Não sendo novo, este é certamente um debate interessante, e a acompanhar com atenção.

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